28.8.13

O MAR DAS NOSSAS SOMBRAS


A PROPÓSITO DA REVISTA «CLUSTER DO MAR»
No facebook pedem-se «likes» ou «gostos» para um conjunto de páginas, algumas de inegável interesse a valer pela aparência.
Hoje pediram-me para gostar da revista «Cluster do Mar»... O Mar como novo Desígnio Nacional.
Ora, como nasci ao lado dele, e vivi, tantos dias e meses, sobre ele, por via da generosa e honrada profissão de meu Pai. Como hoje compreendo a maledicência que a luta dele – do meu Pai, o António Carlos Barreto - provocou por diversas vezes no seio dos mais variados poderes.
Como agora apreendo quanto a sua saúde ficou debilitada para sempre como resultado de um duelo desigual ao pugnar pela causa da defesa do mar e do transporte marítimo moderno, tantas vezes defendido pelos mais prestigiados colegas estrangeiros. Como vivo, o mal que o Mar lhe acabou por fazer. Como sei que o seu nome ficou apenas registado nos compêndios mais prestigiados escritos em inglês, apeteceu-me escrever o ‘post’ que se segue e publicá-lo com o meu ‘like’.
Naturalmente que o Mar não se confina apenas a uma «estrada» imensa para o transporte de mercadorias.

O MAR... TÃO DISTANTE!
Não conheço a publicação. Mas o Mar nunca devia ter deixado de ser o Desígnio Nacional. Mas deixou. Infelizmente. Por diversas razões que davam para escrever um livro, de muitas centenas de páginas.
Portugal vendeu ou perdeu as suas maiores companhias marítimas. Entre elas (por venda) a sua empresa mais rendível, a SOPONATA, Sociedade Portuguesa de Navios Tanques. Melhor dizendo, a sua companhia de petroleiros, num momento em que a frota incluía navios novos e aguardava pela substituição da maioria da restante frota. A SOPONATA, hoje propriedade da segunda maior transportadora de petróleo do planeta - obviamente Norte-americana e, naturalmente com um judeu de origem grega como maior acionista - era uma empresa portuguesa participada e de ponta. O então primeiro-ministro Aníbal Cavaco Silva, entendeu que o Mar não era um propósito de desenvolvimento nacional capaz de contracenar com os milhões dos fundos comunitários que nos foram prometidos. O governo de então, abriu o caminho do êxodo às formiguinhas trabalhadoras e optou por proclamar as cigarras preguiçosas e gastadoras.
Basta perceber um pouco de construção naval: um petroleiro é um navio com a maior tecnologia de ponta em diversos sectores e é o veículo de transporte mais caro do Mundo. Tenho quase, quase 56 anos, e posso gabar-me de ter viajado em muitos dos petroleiros com bandeira dessa companhia, quase pelos cinco continentes.
A saúde de meu Pai foi cruxificada com a venda da companhia aos norte-americanos. Meu irmão aceitou continuar, acedeu ao convite, e é, desde há década e meia, comandante na empresa (mais correctamente e pomposamente Capitão da Marinha de Comércio). À americana e pelas actuais regras da marinha de comércio altamente especializada, ele é o gestor de unidade maior. Comanda sempre entre os 2 e os 2,5 milhões de barris de petróleo que – imagine-se – de um dia para o outro, dentro dos tanques, sossegadinhos, podem passar a valer mais ou menos 1 dólar x 2,5 milhões... Algo que impressiona e contenta a competitividade de qualquer gestor que se preze. Algo que, seguramente, contribui para a liquidação de despesas no curto-prazo e consubstancia perspectivas de execução orçamental a médio e longo prazo. Não será por acaso que o maior armazenista de petróleo também é o maior retalhista. É curiosamente o maior produtor por posse de poços. É surpreendentemente o detentor da moeda – o dólar - que é a única que serve de troca de 87,9% do comércio mundial de matérias-primas, metais e pedras preciosas.
Ora quero com isto dizer que voltar a ter o Mar como desígnio nacional, é uma boa esperança... Precisamos, no entanto, da lucidez em perceber que isso nos custará biliões de euros, precisamente o dinheiro que jamais teremos nas próximas décadas.
De entender que esse fulgor se esvaiu por opção política, dos governantes, de quase todos os partidos políticos, dos sindicatos, dos empresários que representavam o capital português (exceptua-se Manuel Bulhosa), da maioria dos militares da armada portuguesa e da minoria dos trabalhadores e agentes da marinha de comércio.
Fico curioso por ler o conteúdo desta publicação. Mas continuo expectante sobre a responsabilização de quem, a troco de uns fundos comunitários e de um enorme jogo de interesses paralelos à economia nacional, permitiu a extinção da marinha comercial nacional e a consequente estagnação das infraestruturas portuárias, com a devida excepção do Porto de Sines que, ainda assim e no imediato, só poderá gerar biliões por via do comércio internacional do carvão e do petróleo e respectivos derivados.
Recorde-se que para a operação de mercadorias gerais em carga fechada, falta construir uma linha férrea com características de transporte transcontinental, basilar para a própria actividade geral portuária, podendo então competir com os portos do Sul da Europa, particularmente os espanhóis que ficam quase todos já no Mediterrâneo, mais distantes da plataforma global europeia marítimo-terrestre configurada na cidade holandesa de Roterdão.

(Este texto encontra-se escrito em português e não em sintonia com o novo acordo ortográfico que entrará em vigor a 1 de janeiro de 2015).

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