24.10.11

"O Desenvolvimento do Subdesenvolvimento"

O sociólogo e professor universitário Boaventura de Sousa Santos publicou mais uma análise pertinente sobre a actualidade económica global que vislumbram os interesses dos mais poderosos com o incremento da globalização. O sociólogo, um dos melhores da sua geração no palmarés internacional, apenas deixa de fora uma reflexão sobre a continuidade na zona monetária europeia, tal como sucede com dez dos 27 países membros da Comunidade, entre eles o Reino Unido, Dinamarca, Suécia e Polónia. Não se refere à maior ou menor importância das moedas soberanas, particularmente a libra esterlina. Mas a sua visão resumida publicada na revista Visão, de 20 de Outubro, não deixa de ser relevante.
Está em curso o processo de subdesenvolvimento do país. As medidas que o anunciam, longe de serem transitórias, são estruturantes e os seus efeitos vão sentir-se por décadas. As crises criam oportunidades para redistribuir riqueza. Consoante as forças políticas que as controlam, a redistribuição irá num sentido ou noutro. Imaginemos que a redução de 15% do... rendimento aplicada aos funcionários públicos, por via do corte dos subsídios de Natal e de férias, era aplicada às grandes fortunas, a Américo Amorim, Alexandre Soares dos Santos, Belmiro de Azevedo, Famílias Mello, etc. Recolher-se-ia muito mais dinheiro e afectar-se-ia imensamente menos o bem-estar dos portugueses. À partida, a invocação de uma emergência nacional aponta para sacrifícios extraordinários que devem ser impostos aos que estão em melhores condições de os suportar.
Por isso se convocam os jovens para a guerra, e não os velhos. Não estariam os super-ricos em melhores condições de responder à emergência nacional?
Esta é uma das perplexidades que leva os indignados a manifestarem-se nas ruas. Mas há muito mais. Perguntam-se muitos cidadãos: as medidas de austeridade vão dar resultado e permitir ver luz ao fundo do túnel daqui a dois anos? Suspeitam que não porque, para além de irem conhecendo a tragédia grega, vão sabendo que as receitas do FMI, agora adoptadas pela UE, não deram resultado em nenhum país em que foram aplicadas – do México à Tanzânia, da Indonésia à Argentina, do Brasil ao Equador – e terminaram sempre em desobediência e desastre social e económico. Quanto mais cedo a desobediência, menor o desastre.
Em todos estes países foi sempre usado o argumento do desvio das contas superior ao previsto para justificar cortes mais drásticos. Como é possível que as forças políticas não saibam isto e não se perguntem por que é que o FMI, apesar de ter sido criado para regular as contas dos países subdesenvolvidos, tenha sido expulso de quase todos eles e os seus créditos se confinem hoje à Europa. Porquê a cegueira do FMI e por que é que a EU a segue cegamente? O FMI é um clube de credores dominado por meia dúzia de instituições financeiras, à frente das quais a Goldman Sachs, que pretendem manter os países endividados a fim de poderem extorquir deles as suas riquezas e de fazê-lo nas melhores condições, sob a forma de pagamento de juros extorsionários e das privatizações das empresas públicas vendidas sob pressão a preços de saldo, empresas que acabam por cair nas mãos das multinacionais que actuam na sombra do FMI. Assim, a privatização da água pode cair nas mãos de uma subsidiária da Bechtel (tal como aconteceu em Cochabamba após a intervenção do FMI na Bolívia), e destinos semelhantes terão a privatização da TAP, dos Correios ou da RTP.
O back-office do FMI são os representantes de multinacionais que, quais abutres, esperam que as presas lhes caíam nas mãos. Como há que tirar lições mesmo do mais lúgubre evento, os europeus do sul suspeitam hoje, por dura experiência, quanta pilhagem não terão sofrido os países ditos do Terceiro Mundo sob a cruel fachada da ajuda ao desenvolvimento.
Mas a maior perplexidade dos cidadãos indignados reside na pergunta: que democracia é esta que transforma um acto de rendição numa afirmação dramática de coragem em nome do bem comum? É uma democracia pós-institucional, quer porque quem controla as instituições as subverte (instituições criadas para obedecer aos cidadãos passam a obedecer a banqueiros e mercados), quer porque os cidadãos vão reconhecendo, à medida que passam da resignação e do choque à indignação e à revolta, que esta forma de democracia partidocrática está esgotada e deve ser substituída por uma outra mais deliberativa e participativa, com partidos mas pós-partidária, que blinde o Estado contra os mercados, e os cidadãos, contra o autoritarismo estatal e não estatal. Está aberto um novo processo constituinte. A reivindicação de uma nova Assembleia Constituinte, com forte participação popular, não deverá tardar
”.
Boaventura de Sousa Santos, in Visão 20 Outubro 2011.

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