21.3.11

É preciso combater o desperdício

Impõe-se investir na agricultura e industria de qualidade
A ausência do controlo das despesas do sector público é uma das maiores doenças do actual sistema organizacional do aparelho de Estado. Quer se queira ou não o pós 25 de Abril acabou por construir ao longo dos anos uma espécie de uma enorme teia de instituições com o objectivo de se dedicarem a áreas de actuação, na maior parte das vezes estupidamente especializadas.
Criou-se um Estado pesado com cada vez maiores encargos em meios e recursos humanos... Um verdadeiro desperdício de dinheiros públicos num País que abandonou progressivamente os sectores primário e secundário, muito por força das contrapartidas da integração europeia.
Portugal aumentou as despesas demasiado, relativamente às receitas consubstanciadas no PIB (Produto Interno Bruto) e passou das dificuldades conjunturais para uma perigosa crise estrutural, mesmo considerando recentes aumentos da produtividade agrícola, nomeadamente no sector vitivinícola, hortícola e frutícola, e na indústria do calçado e têxtil.
De qualquer forma, continuamos a não ter declaradamente capacidade em criar marca assumidamente portuguesa que se evidencie no exterior salvo as raras excepções do calçado que recebeu recentemente inúmeros louvores na Feira de Milão onde conseguiu a maior representação de sempre. Neste evento italiano – a mais importante de calçado global – a indústria portuguesa destacou-se pela qualidade inequivocamente superior. Aconteceu pela primeira vez a percepção que a concorrência com os produtos dos mercados emergentes como os chineses e brasileiros não se faz pela quantidade e baixo preço, mas antes pela qualidade do fabrico e das matérias-primas, tanto mais que não temos uma indústria com dimensão para esse tipo de concorrência.
Portugal está efectivamente pobre porque tem uma balança comercial deficitária e não gera receitas que cubram as despesas.
O panorama tornou-se mais complexo porque não suportámos a crise dos mercados financeiros que não permitiram aumentar as exportações globais em 2009 e 2010. Agora, que as dificuldades se esbate nos países mais ricos, nós não conseguimos sair dela, porque não recuperamos ao mesmo ritmo e entretanto ficaram evidentes as nossas lacunas estruturais, nomeadamente a ausência de um Plano Nacional Energético que defina prioridades e isso encontra-se directamente relacionado com a política de transportes seguida desde o início da década de 90’. Abandonou-se o caminho-de-ferro em detrimento da construção de auto estradas. A escolha é desastrosa – o parque automóvel circulante consome anualmente mais de 16 milhões de toneladas de crude, enquanto o caminho-de-ferro consome electricidade, claramente mais barata de obter e mais limpa, mesmo por via de queima de carvão nas centrais termo eléctricas. Também o comboio é mais rápido e seguro.
Mas não recuperamos porque no próprio tecido produtivo temos velocidades diferentes e impulsionadas pelos exagerados impostos e dualidade de critérios na sua aplicação – basta verificar os menores impostos pagos pelo sector bancário a contrastar com as restantes empresas.
A esta política, junta-se a extravagância do “choque tecnológico” que tem custado demasiadas energias nos últimos 5 anos e cujo retorno é inferior às previsões. Sem retirar algum mérito na iniciativa, particularmente junto da Universidade em geral, os resultados ocorrem muito mais para o mercado interno, muito curto em resultados financeiros. Acontecem demasiadas acções avulsas e pontuais. O País não tem uma estratégia concertada para a exportação de massa crítica e projecto. As maiores empresas do sector insistem na utopia em viver do mercado interno e dos investimentos no exterior que acabam por não trazer qualquer mais-valia para o País porque esse investimento não significa compras à indústria nacional.

Poupar 4 biliões com cortes nos 349 institutos públicos
A juntar a este cenário confrangedor, as opções orçamentais revistas em sistemáticos Programas de Estabilidade e Crescimento apontam para uma recuperação conseguida por receitas provenientes dos impostos indirectos e reduções ou congelamentos de salários dos funcionários públicos, das contribuições sociais e da saúde, em vez de uma reforma do sector da administração pública que imponha reduções da ordem dos 20% na despesa, no sector empresarial do Estado, incluindo institutos. Pelos números actuais poderemos estar a falar de cerca de 1 % do PIB, qualquer coisa como 3 biliões de euros.
A continuidade da aplicação destas preferências é um redondo erro. Estamos a construir “pescadinhas de rabo na boca” que vão acabar inevitavelmente no fecho de empresas privadas, particularmente as do sector do comércio.
Conforme aqui já foi publicado por Miguel Xara Brasil, um estudo do economista Álvaro Santos Pereira - professor da universidade canadiana Simon Fraser - Portugal tem hoje 349 Institutos Públicos, dos quais 111 não pertencem ao sector da Educação. Se descontarmos também os sectores da Saúde e da Segurança Social, restam ainda 45 Institutos com as mais diversas funções. Mas devemos ainda a contabilizar perto de 600 organismos públicos, incluindo Direcções Gerais e Regionais, Observatórios, Fundos diversos, Governos Civis, etc.) cujas despesas podiam e deviam ser reduzidas, ou em alternativa – porventura o mais sensato - os mesmos serem simplesmente extintos.Para se ter uma noção do despesismo do Estado, consideremos apenas nos supra-citados Institutos, com funções diversas, muitos dos quais nem se percebe para o que servem. As transferências feitas em 2010 só para 42 organismos e institutos foram de 5.018.400 euros, portanto mais de 5 biliões. Se houvesse vontade política e independência relativamente à classe dirigente destas instituições e, consequentemente espaço de manobra para reduzir esta despesa em, pelo menos, 20% a poupança rondaria os 1000 milhões de euros.
Este aforro evitaria a subida do IVA ou a necessidade de congelar as pensões e reduzir reformas acima dos 1.500 euros. Se fossem feitas fusões, extinções ou reduções mais drásticas a poupança poderia situar-se na ordem dos 4 biliões de euros (4.000 milhões) e não seriam necessários quaisquer cortes nos salários.Mas o poder poderia ir mais longe – proceder de igual forma em outros tantos Institutos evitaria a necessidade do quarto Programa de Estabilidade e Crescimento que aponta para uma receita extraordinária de quase 3,2 % do PIB até 2013.
Estes números deixam de fora os prejuízos avultados e continuados da TAP e a transferência anual para a Rádio Televisão Portuguesa.

A visão do Papa João XXIII
«O princípio fundamental de um regime fiscal justo e equitativo reside na adequação proporcional dos impostos à capacidade contributiva dos cidadãos», escreveu o Papa João XXIII em «Mater et Magistra».
João XXIII foi dos papas mais notáveis. O concílio Vaticano II tentou revolucionar mentalidades, mas como habitualmente a Igreja foi contida demais na mudança, após a sua morte.
O Papa João XXIII é um Mestre actual.
Mas entre nós existe quem também pense assim. O professor Adriano Moreira avisa há algumas décadas para as questões estruturais do País.
É preciso recordar que Adriano Moreira esteve no poder ao lado de Marcelo Caetano e do socialista, Eng.º Veiga Simão e tentou deixar marca reformista. O professor Adriano Moreira não se esgota de apelar para estes circunstancialismos de uma democracia que se esquece dos seus pilares vitais - justiça, saúde e ensino.
Começou a fazê-lo insistentemente a partir do segundo mandato de Cavaco Silva a primeiro-ministro.

José Maria Pignatelli

1 comentário:

Maria Máxima Vaz disse...

Felizmente que ainda há quem se lembre e saiba avaliar a obra daquele que foi um dos papas mais notáveis da Igreja Católica.Falando há tempos com alguém sobre o desempenho dos sucessores de S. Pedro, fiquei tristíssima por constatar que a obra de João XXIII fora esquecida. Esta justa e oportuna referência trouxe-me a alegria de verificar que a sua memória continua viva e apreciada.
Cada um tem a sua visão, mas eu considero-o o PAPA mais notável do século XX.